Sottotitolo:
A zona euro tem sofrido imenso de dois grandes fracassos da sua arquitetura de raiz, que são os pecados clássicos de uma moeda comum, e igualmente de um aumento da divergência dos Estados-membro a partir de características económicas comuns, em vez de um processo de convergência.
1. Benefícios e custos esperados de uma área monetária comum
Normalmente, espera-se que a formação de uma área monetária comum origine no mínimo sete benefícios:
Primeiro, a redução de custos de transação, como o custo acumulado de converter uma moeda noutra (e depois noutra).
Segundo, um aumento da concorrência, dada a maior transparência e comparabilidade dos preços, uma vez que estão expressos na mesma moeda.
Terceiro, a redução da taxa de inflação, se a gestão da moeda única for submetida a uma maior disciplina por parte de um banco central independente, tendo como objetivo uma taxa de inflação baixa.
Quarto, a eliminação do risco cambial nas transações entre os países membros da área monetária comum.
Quinto, uma taxa de juro menor associada tanto a uma taxa de inflação mais baixa como à eliminação do risco cambial.
Sexto, além de todos esses fatores que se espera que contribuam para a integração do comércio dentro da área comum, haverá também mais incentivos ao investimento estrangeiro, dada a capacidade dos investidores de repatriarem livremente os lucros na mesma moeda em que são obtidos.
Por fim, existem os benefícios previstos de uma maior integração financeira, o que permitiria entre outras coisas uma forma de seguro implícito contra choques assimétricos.
Em contrapartida, há pelo menos três inconvenientes graves em que os membros de uma área monetária comum podem incorrer. Primeiro, a perda da política monetária nacional, potencialmente grave no caso de choques assimétricos. Segundo, a perda da taxa de câmbio nacional como instrumento de política económica, especialmente a privação da desvalorização da moeda como um meio para aumentar a competitividade do setor exportador nacional. Terceiro, a disciplina orçamental a que os governos nacionais estão subtidos por pertencerem à área monetária.
Em geral, há uma expetativa de benefícios líquidos positivos decorrente do estabelecimento de uma área monetária comum.
2. Benefícios e custos reais da zona euro
A criação da zona euro tem resultado de uma mistura de vantagens e de inconvenientes de diferentes dimensões, tendências e de [ diferentes] efeitos líquidos ao longo do tempo. A poupança em custos de transação com conversões cambiais foi claramente exagerada, uma vez que os custos em que se incorria, moeda a moeda, eram os resultantes apenas da diferença entre receitas e despesas na mesma moeda [o neting]. Os preços podem ser facilmente expressos em qualquer moeda escolhida como numerário, sendo então uma maior transparência uma mera ilusão. A inflação foi domesticada com sucesso pelo Banco Central Europeu (BCE) tendo-a mantido abaixo do melhor registo anterior do Bundesbank, contudo em 2013 o desemprego atingiu níveis recorde na zona euro. Com a introdução do euro as taxas de juro têm caído e, gradualmente, têm convergido de modo uniforme para um nível baixo, tendo-se mantido neste mesmo nível durante sete anos e meio até 2010, quando o spread entre as taxas de empréstimo nacionais e a menor taxa paga por um Estado-membro (a Alemanha, sobre os títulos de dívida pública a longo prazo - Bunds) aumentou espetacularmente e em simultâneo com o custo do seguro contra o incumprimento do país, ou seja, com os CDS (Credit Default Swaps). A integração bancária na zona euro transformou-se num mecanismo de contágio.
Os choques assimétricos — uma preocupação séria quando o euro foi criado — não têm sido um grande problema, mas a incapacidade de pôr em prática uma desvalorização externa permitiu o surgimento de medidas alternativas e dolorosas de desvalorização interna, ou seja, a deflação de salários e preços. A disciplina orçamental, sob a forma de austeridade concertada aplicada em toda a União Europeia (UE) e não apenas na zona euro, tem deprimido o PIB e o emprego nesta área como um todo e sobretudo nos Estados-membro do Sul [os chamados países periféricos] numa medida proporcionalmente bem maior que a redução da própria dívida pública, levando assim a que os rácios da dívida pública/PIB aumentem, alargando a divergência [ na evolução] destes rácios entre os Estados membros]
Desde a crise grega que estalou em 2010 e as crises sucessivas nos outros Estados-membro que tem sido séria e amplamente discutida a possibilidade da divisão da zona euro nas suas diferentes componentes nacionais, com a consequente reintrodução de moedas nacionais, ou pelo menos a possibilidade da divisão em dois grupos, o grupo do Norte com uma moeda relativamente mais forte e o do Sul com uma moeda relativamente mais fraca do que o valor atual do euro. (Ver Cambridge Journal of Economics, Special Issue on Prospects for the Eurozone, Volume 37, Issue 3, May 2013, descarregável gratuitamente). Inicialmente, as vozes mais proeminentes sobre uma possível rotura na zona euro vinham do círculo de direita, recentemente a estas juntaram-se-lhes vozes de esquerda (para uma crítica, ver Andrew Watt, Why Left-wing Advocates Of An End To The Single Currency Are Wrong, 10-07-2013).
3. A zona euro: três falhas
A zona euro tem sofrido imenso de dois grandes fracassos da sua arquitetura de raiz, que são os pecados clássicos de uma moeda comum, e igualmente de um aumento da divergência dos Estados-membro a partir de características económicas comuns, em vez de um processo de convergência.
O primeiro fiasco provém do nascimento prematuro do euro. A área monetária deveria ser a última etapa da integração económica, “coroando” todas as outras etapas anteriores: depois da integração política, depois da integração orçamental incluindo um orçamento europeu numa escala suficiente para permitir uma política orçamental europeia, depois da integração da política externa e de defesa. E isto em vez da situação estabelecida aquando da criação do euro, e que ainda se verifica atualmente, em que nunca houve nenhum governo europeu, mas apenas uma coleção variável de ministros nacionais que sobretudo legislam em vez do Parlamento, que permanece sobretudo um Clube de debates, próximo de uma poderosa Comissão Europeia (CE) constituída por Comissários não eleitos e por poderosos funcionários públicos com poderes executivos, enquanto a elaboração das políticas económicas permanece a um nível intergovernamental. O orçamento europeu foi fixado entre um irrisório 1%-2% do PIB europeu (em vez de se cifrar em torno de 20%, como o Orçamento Federal dos EUA) e é sempre equilibrado ex-post (portanto, sem a possibilidade de um excedente primário, no máximo apenas o suficiente para o serviço da dívida de títulos emitidos pela UE, que, de toda a maneira, não tem nenhuma necessidade nem nenhuma razão para emitir, pois não lhe é permitido ter défice). Na política externa e de defesa foram apenas dados passos embrionários e de ordem burocrática para a integração europeia.
A abordagem seguida na criação do euro foi exatamente a oposta da que deveria ter sido, a nível técnico, para já não referir a nível democrático: a área monetária foi estabelecida deliberadamente fora de um conjunto de passos articulados, precisamente para criar, por meio de uma espécie de “disfunção controlada”, as pressões e as tensões que se esperava que fariam avançar o palco “la finalité la politique” e todos os outros estágios de integração que até então ainda estavam por estabelecer. Esta foi uma estratégia arriscada que funcionou apenas temporariamente e que deveria ter sido rapidamente acompanhada, mas que nunca o foi, pelas etapas que ainda faltavam para assim se poder alcançar o sucesso.
A segunda falha do projeto da moeda única foi a criação de um Banco Central Europeu diminuído. O BCE foi construído como independente — seguindo a moda das teorias de expectativas racionais e também da alegada ausência de um trade-off entre inflação e desemprego que lhe estava associada — como a Reserva Federal dos EUA (Fed), o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão. No entanto — ao contrário destas instituições irmãs mas de acordo com o modelo do Bundesbank — o BCE ficou também totalmente desligado da política orçamental. O BCE era suposto atingir uma taxa de inflação abaixo de 2%, apesar de se encontrar já próxima deste valor, ignorar as preocupações do emprego enquanto a meta de inflação não fosse cumprida, mas acima de tudo ficava impedido de comprar títulos de dívida pública se fossem emitidos pela Europa (a UE era suposto não emitir, a não ser através do Banco Europeu de Investimento) ou pelos seus Estados-membro. Quando o BCE foi criado não tinha nenhuma das funções tradicionais de um banco central: supervisão bancária e recapitalização e resolução da banca em caso de insolvência e garantia de depósitos — todas estas funções foram retidas pelos bancos centrais nacionais, e ainda estão, com a exceção de alguns casos em curso que se encontram a ser supervisionados pelo BCE.
A incapacidade para financiar a despesa pública, recapitalizar e solucionar a banca e garantir depósitos faz do BCE apenas um meio banco central ou possivelmente até menos do que isto. Tem havido iniciativas para estabelecer uma versão de uma “união bancária”: em rigor, não existe tal coisa e procurar por uma instituição desse género nos livros didáticos sobre Integração Internacional seria em vão. Existem apenas improvisações, de alguma forma para aliviar a falta dessas funções tradicionais de um banco central por parte do BCE.
A terceira falha da zona euro é, depois de quase 10 anos perdidos de operações bem-sucedidas com baixas e uniformes taxas de juros, o facto de os Estados-membro da UEM terem falhado a convergência para os parâmetros legais fixados pelo Tratado de Maastricht para a adesão à UEM e pelo eufemisticamente rotulado Pacto de Estabilidade e Crescimento para todos os membros da UE. Isto é verdade tanto na convergência monetária — taxas de juro de longo prazo a 10 anos de títulos de dívida pública e taxas de inflação — como na convergência orçamental, segundo a qual o défice público e a dívida pública devem manter-se abaixo dos 3% e 60% do PIB, respetivamente. Os países da UEM também não conseguiram convergir para outros parâmetros reais, que nunca foram escolhidos como objetivos, mas que — tendo em vista o projeto prematuro e incompleto da zona euro — deveriam ter sido, como o desemprego, os custos unitários do trabalho (salários, possivelmente permanecendo desiguais, mas proporcionais à produtividade do trabalho), a balança comercial e a quota de empréstimos tóxicos nas carteiras dos bancos. Em vez da convergência, os parâmetros relevantes dos membros da zona euro tornaram-se cada vez mais divergentes durante a recente crise.
Um nascimento prematuro não teria constituído um problema se o BCE tivesse sido desenhado de acordo com o modelo do Banco da Inglaterra, da Fed ou do Banco do Japão, em vez do modelo do Bundesbank. Nem um parto prematuro nem um banco central diminuído seriam um mal maior se os Estados-membro tivessem convergido para parâmetros monetários, orçamentais e reais comuns. Mas a combinação destes três fracassos, incluindo a divergência crescente, é letal. A zona euro como está hoje pode ainda ter capacidade para lutar por um tempo indeterminado, mas numa última análise está, sem dúvida, condenada.
4. Desenvolvimentos recentes
Em 2010, alargou-se a diferença entre as taxas de juro (o spread) dos Estados-membro do Sul da UEM e as dos Estados-membro mais “virtuosos”, os países nórdicos da UEM, nomeadamente a Alemanha — de facto muito virtuosos tendo em vista o seu sucesso excessivo na promoção das exportações líquidas [os excedentes comerciais] atualmente na ordem de 210 mil milhões de euros, ou seja, 6% do seu PIB, sem que haja qualquer mecanismo ou tentativa política na Alemanha ou na Europa para eliminar ou mesmo reduzir este desequilíbrio que tem sido deveras prejudicial a todos os outros membros da UEM [sobretudo os ditos países periféricos] e da UE e mesmo à própria Alemanha.
A história dos três anos seguintes até à data mostra apenas melhorias parciais, lentas e ineficazes, e medidas não convencionais, corajosas e imaginativas, introduzidas pelo presidente do BCE, Mario Draghi, para tornar a função do BCE quase como a de um verdadeiro banco central contra a severa oposição alemã.
Entre 2010-2013 foram criados dois programas de financiamento temporário da UE para providenciar de imediato assistência financeira aos Estados-membro da zona euro em dificuldades financeiras: o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF). Em setembro de 2012 foram substituídos de forma permanente pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), enquanto o FEEF e o MEEF irão continuar a gerir as transferências e a acompanharem os programas dos resgates anteriores da Irlanda, Portugal e Grécia. Contudo, o MEE foi algo subfinanciado (500 mil milhões de euros) para ser capaz de lidar com uma crise de tão grande escala como é a atual, que pode incluir pelo menos um dos maiores Estados-membro, e sujeito à adoção de austeridade recessiva e de dolorosos programas de reformas sob a supervisão da Troika (CE, BCE, FMI).
Dois novos instrumentos não convencionais foram introduzidos pelo BCE, sob a liderança de Mario Draghi, a fim de restaurar os mecanismos de transmissão monetária: um programa de operações de refinanciamento de prazo alargado (as LTRO), através das quais o BCE efetua injeções de financiamento a baixas taxas de juro aos bancos da zona do euro contra um largo leque de garantias colaterais, e um programa de operações monetárias definitivas (as OMT) através das quais o BCE pode comprar títulos de dívida pública de países em dificuldades nos mercados secundários [com enfoque nos prazos mais curtos (até três anos) e com esterilização completa dos montantes de liquidez injetados no sistema] — um golpe de mestre cujo anúncio pura e simplesmente teve um impacte estabilizador nos mercados financeiros sem se gastar um único cêntimo. Recentemente, os cortes nas taxas de juro que foram feitos levaram a que se atingisse um valor recorde de 0,5% anunciando-se inclusive, se necessário, que esta taxa poderá cair ainda mais até alcançar a faixa negativa.
Estes desenvolvimentos têm tido persistentemente oposição sobretudo dos representantes alemães no Conselho do BCE, apelidando-os de impróprios ou totalmente ilegais (reencaminhando inclusive denúncias para o Tribunal Constitucional alemão em Karlsruhe). A Alemanha analogamente tem-se oposto de modo bem vigoroso a qualquer sugestão de mutualização mesmo que parcial da dívida na zona euro através da emissão de Eurobonds sujeitas à responsabilidade coletiva e solidária dos Estados-membro — uma objeção compreensível tanto quanto a Alemanha corre o risco de acabar por ser o único país a assumir a responsabilidade por ser o país mais credível (embora operações similares tanto nas fases iniciais da Federação dos Estados Unidos em 1862 como na Itália unida, dizem ter sido vantajosas para todas as partes envolvidas).
É claro que o BCE tem acesso a recursos em grande escala que não estão registados no seu balanço, nomeadamente o valor presente da sua senhoriagem sobre o euro (os lucros obtidos com as emissões da base monetária, os juros obtidos a partir do investimento das emissões passadas, a taxa de inflação esperada, ou seja, a perda do valor real do stock da base monetária causada pela inflação antecipada, bem como a taxa de inflação não antecipada).
O valor atual da senhoriagem do BCE foi estimado por Willem Buiter na ordem dos 3,3 milhões de milhões de euros (in “The Debt of Nations Revisited: The Central Bank as a quasi-fiscal player: theory and applications”, 2011). No entanto, se este valor fosse usado para anular uma parte considerável da dívida dos membros da zona euro nas mesmas proporções em que detêm ações do BCE esta operação iria resolver a crise do euro sem a transformar numa “Transferência da União”, uma vez que não envolveria qualquer redistribuição entre os Estados-membro. As consequências potencialmente inflacionárias de uma tal operação poderiam ser neutralizadas reduzindo a dimensão do balanço do BCE (venda de ativos e redução de empréstimos), esterilizando os passivos monetários, elevando as reservas obrigatórias e a remuneração do excesso de reservas, a fim de induzir os bancos a mantê-las inativas. No entanto, este tipo de operação iria de encontro ao conservadorismo monetário alemão e dos outros membros do Norte, o que torna improvável a sua realização.
As esperanças têm sido depositadas num abrandamento da oposição alemã à transformação criativa do BCE, ou pelo menos à redução do seu apoio incondicional à austeridade, após as eleições alemãs de setembro de 2013. Todavia, ocorrem frequentemente eleições em todos os países a nível nacional, regional e/ou a nível europeu (em 2014), e a oposição alemã não partilha a ideia de uma mudança de pensamento, mesmo no caso (improvável) de uma alteração política no poder.
5. E agora?
Os diversos níveis de integração nunca desenvolvidos e as instituições em falta poderiam ser agora introduzidos, de forma a promover uma convergência mais séria e vigorosa do que no passado. Não é claro que tudo isso pudesse ser feito e com a rapidez suficiente para se resolver a crise atual, todavia isto não é uma boa razão para não se tentar. De outra forma, a zona euro — como tem vindo a ser sugerido com uma frequência cada vez mais intensa — deve e será dividida nos seus países membros ou eventualmente numa zona do Norte e numa zona do Sul cada uma com a sua moeda própria e uma moeda comum entre elas (tem mesmo sido sugerido que as duas moedas ainda poderiam ser reguladas pelo BCE, com diferentes metas e políticas).
Saindo da zona euro e passando de novo a ter moeda nacional, um país seria capaz de conduzir a sua própria política monetária, presumivelmente reaquecendo a sua economia e escolhendo o seu próprio trade-off entre inflação e desemprego. Poderia, se quisesse, escolher um modelo de banco central também ele independente, mas igualmente capaz de financiar as despesas públicas (como o Banco da Inglaterra), só que isso poderia não ser muito útil já que mesmo saindo da UEM, desde que permaneça na UE terá de adotar políticas de austeridade, impostas a todos os Estados-membro da UE pelo chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento.
O país que saísse da zona euro poderia repor a sua competitividade internacional pela via da desvalorização nominal da moeda, em vez de ter de o fazer por meio de políticas deflacionárias internas dolorosas e impopulares de salários e preços. Poderia inclusivamente entrar em incumprimento — unilateralmente ou por acordo com os seus credores —, levando estes a reduzirem-lhe o valor da sua dívida, tal como aconteceria se o país permanecesse como um país membro, mas sem ter de estabelecer um acordo com a Troika (CE, BCE, FMI) sobre os termos do resgate [consentido pelos credores] e sem a assistência do BCE e da CE (mas possivelmente ainda com a do FMI). Claro está, a permanência na UEM é um dos requisitos da pertença à UE, pois um país ao abandonar a zona euro terá, mais cedo ou mais tarde, de abandonar a UE — um custo não desprezível na análise da saída do euro.
A saída de um país da zona euro pode implicar uma corrida aos bancos, caindo numa situação em que o BCE deixa de lhe poder garantir assistência de liquidez de emergência: uma tal situação ocorreu no Chipre em 2013, quando o governo inicialmente não aceitou as condições impostas pela Troika para prosseguir com o salvamento dos seus bancos. A este nível, a única maneira de manter a liquidez seria a introdução — pelo Banco Nacional ou pelo Tesouro — de uma moeda nacional, ou seja, uma espécie de euro nacional, inicialmente emitido a par com o euro. Posteriormente, a nova moeda nacional seria desvalorizada e sujeita a taxas de inflação elevadas e para isso teria de flutuar de modo a que o euro não desaparecesse de circulação devido à lei de Gresham. De facto, a nova moeda nacional provavelmente atingiria taxas de inflação e de desvalorização escandalosamente altas. Como resultado, as taxas de juro na nova moeda aumentariam rapidamente quando comparadas às do euro. Se a saída do euro fosse feita por vários países de pequena dimensão ou por um grande país apenas, provavelmente, desencadear-se-ia uma corrida aos bancos noutros Estados-membro da zona euro fragilizados, o que despoletava um efeito dominó desnecessário.
Se e quando a nova moeda nacional recuperasse a paridade entre a sua taxa flutuante e a taxa na qual ela tinha sido inicialmente emitida em relação ao euro, a operação poderia ser invertida: o país poderia voltar a entrar na zona euro e o euro nacional convertido novamente em euros. Até aí, o dinheiro em euros tornar-se-ia numa divisa externa nas mãos das famílias e empresas, as balanças correntes e todas as dívidas e créditos seriam convertidos na nova moeda ao par, o que por si só iria reduzir o volume de toda a dívida. A dívida internacional tecnicamente poderia permanecer nominalmente denominada em euros ou noutras moedas estrangeiras (pelo menos para a maior parte da dívida contraída pela Lei Inglesa), mas os credores teriam de se resignar eles próprios ao incumprimento do devedor e realizar então, de facto, um resgate [dito bail-in. A desvalorização melhoraria a competitividade se e só se a desvalorização cambial fosse considerada em termos reais (tendo presente que a desvalorização nominal não estaria assim a ser neutralizada pelo aumento da inflação) e se fosse suficientemente grande.
Frequentemente tem havido sugestões no sentido de essa nova moeda nacional não dever substituir o euro, mas circular em paralelo com ele. Infelizmente, não existem milagres na economia, uma moeda paralela seria uma solução confusa e duvidosa. Considerando-se que a desvalorização interna e o incumprimento são opções mesmo dentro do euro e que a disciplina orçamental continua a ser uma das obrigações como membro da UE, mesmo para um país que abandone a zona euro, a única vantagem de deixar o euro seria uma maior liberdade para o incumprimento com o custo de perder, em contrapartida, algum apoio europeu por parte da UE e do BCE, mas ainda sujeito quer à assistência quer à condicionalidade do FMI.
Em conclusão, não se obteria um ganho líquido significativo com a saída da zona euro, considerando especialmente que a saída com incumprimento barraria o acesso do país aos mercados internacionais por muito tempo (até 20 anos ou mais) em vez de um incumprimento ordenado e de um resgate assumido pelos próprios credores bail-in como foi o caso da Grécia, Irlanda e Chipre.Quanto à Alemanha (e, possivelmente, outros países nórdicos), se abandonasse o euro, como foi recentemente sugerido por George Soros, a sua saída provavelmente levaria a que fossem fortemente subestimados os seus prejuízos resultantes de uma reavaliação da moeda nórdica face às moedas da hipotética zona euro do Sul.
6. “Se eu quisesse ir a Roma eu não partiria daqui”
Claramente, se eventualmente se quisesse construir uma área monetária comum não se deveria proceder da mesma forma que se utilizou na UEM e certamente não seria desejável começar a partir do atual estado da realidade na zona euro. Mas a partir necessariamente de onde estamos hoje, talvez, a melhor coisa a fazer é que os membros mais fracos e mais vulneráveis da zona do euro devem se esforçar para avançar tanto quanto possível e tão rapidamente quanto possível, dado o limitado consenso entre os membros, a fim de preencher os elementos [ de integração] em falta: construindo algum tipo de união bancária; apoiando os progressos do BCE no sentido de se tornar de facto num verdadeiro banco central, sustentando a integração política e a integração orçamental, aumentando o volume do orçamento europeu, tentando relançar iniciativas a favor do investimento europeu e financiando a Europa em vez da dívida nacional.
Para isso, seria conveniente ameaçar com uma saída de forma sólida e vigorosa, em vez de realmente se sair da zona euro. Ao mesmo tempo, um país poderia, ainda que permanecendo na zona euro e se as instituições democráticas fossem suficientemente robustas para o consentir, reproduzir com a desvalorização interna os efeitos da desvalorização externa que a saída da zona euro permitiria — mas apenas se for considerada como essencial para relançar o crescimento.