A lição do Tigre Celta

Sottotitolo: 
A Irlanda foi apresentada como exemplo de país que soube integrar-se na globalização de maneira absolutamente bem comportada e “ortodoxa.

   Nos últimos dez anos a Irlanda nos foi apresentada por agências financeiras privadas, consultores internacionais de grandes bancos e colunistas econômicos como uma espécie de modelo de economia “moderna”. Leia-se: economia ao gosto do neoliberalismo global, que deveria fazer inveja a nós, mamelucos do terceiro mundo, lutando por um projeto de desenvolvimento “não submisso”. Isto é, que não fosse apenas uma economia de “serviços”, sem base produtiva firmada, ancorada no território e no mercado interno e capaz de competir no mercado global. 

     O déficit fiscal do Tigre Celta - pobre povo irlandês - somado ao dinheiro necessário para socorrer o sistema bancário falido, hoje alcança 32% do PIB. O salário mínimo será cortado em 20%, 25 mil vagas serão extintas no setor público (de um estado que já foi apresentado como exemplo de “estado mínimo”) e  - de quebra e sem pudor -   será aumentado o imposto de renda dos assalariados. Registre-se que a Irlanda foi apresentada como exemplo de país que soube integrar-se na globalização de maneira absolutamente bem comportada e “ortodoxa”, inclusive recebendo excursionistas políticos de todo o mundo para beberem do seu sucesso. 

      Nós, brasileiros, devemos ler a lição do Tigre Celta de maneira inversa: como não devemos nos integrar na globalização sem projeto próprio e como estão certas as forças políticas, independentemente das suas matizes ideológicas, que defendem a necessidade de uma política industrial planejada pelo estado - combinada com fortes investimentos em pesquisa e inovação. Como estão certos aqueles que defendem a ampliação do crédito e do financiamento pelo setor público, o reforço das políticas sociais do Estado, para que o crescimento se dê com distribuição de renda. Como estão certos os que apostam no exercício da capacidade regulatória do estado para induzir o desenvolvimento. 

       No período que se abre em nosso país, devemos estar atentos para uma nova onda midiática, que certamente será promovida pelos mesmos propagandistas do Tigre Celta: a desconstituição, aberta ou subliminar, do espaço da política, combinada com o elogio da “técnica” e da ”meritocracia” sem princípios. Não do elogio da técnica como meio adequado para um projeto de coesão social. Não do mérito como valor pessoal ou coletivo, que se volta para o bem geral da comunidade. Mas a defesa da técnica que substitui a política – o que por si só é uma política - e da “meritocracia” como frio elemento de cálculo, esquecendo que a boa sociedade é medida pelo grau de bem-estar dos mais pobres, e não pelo consumo suntuário dos mais ricos. 

       Queremos um Rio Grande do Sul, do Brasil e do Mundo. Acompanhemos as experiências de outros povos e aproveitemos os seus erros e acertos, para que o nosso diálogo, aqui no nosso RS - sem preconceitos e exclusões - possa melhorar a vida de todos.  Esta possibilidade não suprime nossas diferenças, mas qualifica nossos argumentos em defesa do bem comum, sempre fazendo o “Elogio da Política”, como defende ardorosamente meu velho amigo Mário Soares, que integrou Portugal na velha Europa civilizada   

(Correio do Povo., 27 de novembro 2010)  

Tarso Genro

Tarso Genro,

Tarso Genro es gobernador del Estado de Rio Grande do Sul, Alcalde de Portoalegre durante los primeros Foros Sociales y Ministro en varios gabinetes del presidente Lula. Miembro del Comité Editorial de Insight